O dia 5 de abril de 2022 foi marcado pela promulgação da Emenda Constitucional nº 117/2022 – EC 117/2022, que altera o artigo 17 da Constituição Federal para “impor aos partidos políticos a aplicação de recursos do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como a aplicação de recursos desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% (trinta por cento) para candidaturas femininas”.
Algumas regras trazidas pela EC 117/2022 não são novidades na esfera jurídica, mas traduzem a elevação delas ao plano constitucional. Isso porque, o inciso V do artigo 44 da Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) prevê, desde 2019, a aplicação mínima de 5% do fundo partidário na “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária”.
Ainda, no mesmo diploma legal, foi inserido o parágrafo 2º do artigo 50-B, pela Lei nº 14.291/2022, que impõe aos partidos políticos a destinação do mínimo de 30% (trinta por cento) do tempo total disponível à promoção e à difusão da participação política das mulheres.
Quanto à aplicação mínima de 30% dos recursos do Fundo Partidário para a campanha de candidatas do gênero feminino, o tema foi sedimentado em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando a quota financeira para a campanha de mulheres restou equiparada ao patamar legal mínimo de candidaturas femininas, previsto no artigo 10, §3º, da Lei nº 9.504/1997, por ocasião do acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.617/2018, de relatoria do excelentíssimo Ministro Edson Fachin.
Para além da ascensão ao status constitucional de normas impositivas aos partidos políticos, aptas ao fomento da participação feminina no processo eleitoral, o destaque da EC 117/2022 fica direcionado à garantia de utilização, nas eleições subsequentes, dos valores que não tenham sido atribuídos aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores, destinados a essa finalidade, não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral.
Do mesmo modo, a EC 117/2022 veda não somente a condenação dos partidos políticos pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de sua promulgação, mas também a aplicação de sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação.
A imprescindibilidade da concretização do novo texto constitucional para a efetiva representação proporcional1 é evidenciada quando lançamos os olhos sobre o último pleito eleitoral majoritário.
A arena eleitoral de 2018 já revelava algumas mudanças para o cenário da Câmara Baixa do Congresso Nacional: o maior número de partidos já representados e a maior expressão de mulheres na composição de suas cadeiras.
Em 2019, restaram representados 30 partidos dentre os(as) 513 eleitos(as) em 2018 para compor a Câmara dos Deputados. Dessa totalidade, 436 foram classificados como deputados do gênero masculino e 77 como deputadas do gênero feminino.
Apesar de computar apenas 15% do número total de cadeiras, trata-se do maior número de mulheres presentes nas cadeiras da Câmara até o momento. Em termos comparativos, nas Eleições 2014, foram eleitas apenas 51 deputadas, o que revela um aumento de 26 representantes do gênero feminino na Casa do Povo.
No âmbito do Senado Federal, por sua vez, a presença feminina ainda não apresentou um número progressivo. Somente 7 senadoras foram eleitas nas Eleições 2018, em meio aos 21 partidos representados na Câmara Superior, o que resultou no início da legislatura do ano de 2019 com 12 parlamentares na bancada feminina – um declínio em relação ao número de 13 Senadoras que compuseram o Senado no início da 55ª legislatura. Manteve-se, portanto, a média de 14 a 15% de mulheres na composição do Senado.
Os números reforçam a perspectiva histórica de distanciamento das mulheres da denominada “elite parlamentar”, ou seja, o preenchimento de cadeiras no Senado Federal, bem como “posições de comando da Câmara, a mesa diretora, os líderes partidários e os presidentes de comissões, (…) o que prejudica a performance do poder legislativo no processo decisório”2, principalmente quando consideramos o percentual de eleitoras registradas nas Eleições 2018 (mais de 77 milhões de eleitoras em todo o Brasil, representando 52,5% do total de 147,5 milhões de eleitores).
Segundo os dados estatísticos divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, até março de 2022, o Brasil continua contando com um percentual de eleitores do gênero feminino maior que o masculino (78.444.900 eleitoras face a 69.850.991 eleitores), permitindo a expectativa de alteração do cenário parlamentar feminino no Congresso Nacional, em razão dos desdobramentos da EC 117/2022 para as Eleições 2022. Seguimos acompanhando as repercussões eleitorais.
1 Leia-se aqui a representação proporcional como característica do “presidencialismo de coalizão”, qual seja o termo cunhado por Sérgio H. H. Abranches para designar o modus operandi do presidencialismo brasileiro (ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. vol. 31, n. 1, 1988, p. 27-28).
2 JUNIOR, Sergio Simoni; DARDAQUE, Rafael Moreira; MINGARDI, Lucas Malta. (2016). p. 114.