O CriptoJud deve simplificar esse processo, encurtando o caminho para uma execução mais eficiente
Não há como iniciar esta análise sem abordar um dos maiores problemas enfrentados pelo cidadão brasileiro: as quase intermináveis ações de execução sem sucesso. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos traz anualmente uma “radiografia” das execuções no país, que, ano após ano, se mostram cada vez mais preocupantes. Embora a tecnologia avance em um mundo globalizado e o direito também acompanhe essas evoluções, as execuções parecem ser uma exceção a essa regra de progresso. Segundo o CNJ, o Brasil acumula hoje cerca de 83,8 milhões de processos judiciais, dos quais 44,3 milhões são de execuções – ou seja, 53,5% de todo o acervo. Além da demora, muitos devedores escondem patrimônio por meio de artifícios variados, frustrando os esforços de recuperação judicial.
Como resposta, o Judiciário busca alternativas para mitigar esse enorme volume de processos pendentes, que cresce a cada ano. Antes de entrar no tema principal deste artigo, é necessário destacar um fator importante, e que talvez seja a grande estrela dessa análise: os criptoativos. Criptoativos são representações digitais de valor, como as conhecidas criptomoedas Bitcoin e Ethereum, que usam a tecnologia blockchain para garantir segurança e autenticidade nas transações. Os blockchains funcionam como um livro de registros digital, onde as informações ficam armazenadas de forma segura e transparente.
Com o surgimento dos criptoativos, muitos “investidores” encontraram neles diversas utilidades – uma delas, infelizmente, é a ocultação de patrimônio por meio da compra de criptomoedas. Fraudes envolvendo criptoativos se tornaram mais comuns, especialmente em contratos sem garantias reais, como ficou claro no famoso caso do “Faraó dos Bitcoins”. A situação se agrava quando ocorre inadimplência, pois, ao buscar o Judiciário para cobrar uma dívida, muitas vezes o devedor já ocultou seus bens em criptoativos, escapando das buscas tradicionais.
Contudo, com o avanço das redes sociais e das próprias práticas financeiras, essas táticas se tornaram mais evidentes, despertando a atenção do Judiciário. Tribunais têm se mostrado favoráveis à penhora de criptoativos, geralmente por meio do envio de ofícios a exchanges (plataformas de compra e venda de criptoativos). Mas, mesmo com essas medidas, a localização desses ativos ainda é difícil, o que levou os órgãos judiciais a desenvolver novas maneiras de rastrear moedas digitais. Esse é o ponto central desta análise: a criação de um novo sistema de busca e bloqueio de valores, chamado “CriptoJud”.
O CriptoJud é uma ferramenta inovadora do Judiciário para facilitar a penhora e liquidação de criptoativos em execuções fiscais e cíveis, além de processos de falência. O sistema foi criado pelo CNJ em parceria com a Associação Brasileira de Criptoeconomia (Abcripto) e funciona de modo similar ao SisbaJud, que bloqueia valores em contas bancárias e ativos financeiros. A diferença é que o CriptoJud é focado nos criptoativos, como as criptomoedas, e depende da adesão das exchanges para funcionar. Atualmente, antes de ordenar uma penhora, a Justiça precisa enviar ofícios a cada exchange para verificar se algum ativo do devedor está registrado ali. O CriptoJud deve simplificar esse processo, encurtando o caminho para uma execução mais eficiente.
Esse novo sistema, embora promissor, ainda enfrenta desafios e demanda estudos contínuos para cobrir lacunas na compra e venda de criptoativos, que muitas vezes ocorre de forma digital, mas também pode ser realizada de forma física – as chamadas “cold wallets” –, tema que pode ficar para outra análise.
Em conclusão, o CriptoJud representa um avanço importante na tentativa do Judiciário de superar as dificuldades das execuções no Brasil, especialmente no rastreamento de patrimônio oculto em criptoativos. A ferramenta promete otimizar o bloqueio de valores, mas sua efetividade dependerá da adesão das exchanges ao sistema e da atualização constante das normas para acompanhar as mudanças no mercado de criptoativos, garantindo que práticas como o uso de cold wallets não enfraqueçam essa inovação.