CRÉDITO: PLURAL.JOR.BR

Os negócios jurídicos atípicos não podem ser vedados pelo juízo se forem válidos e respeitarem os direitos fundamentais e o devido processo legal

O Código de Processo Civil de 2015 inovou o ordenamento jurídico, conferindo a possibilidade de as partes transigirem sobre seus direitos ao longo do processo, por meio dos chamados negócios jurídicos processuais.

Negócio jurídico, nesse contexto, pode ser entendido como “produto da manifestação de vontade das partes, as quais podem não apenas declarar a intenção de praticar o ato, mas também regular os efeitos que dele pretendem extrair” (THEODORO JÚNIOR., Humberto; FIGUEIREDO, Helena Lanna. Op. cit., p. 56).

Conforme complementa o doutrinador Eduardo Nunes de Souza, negócios jurídicos: “É o instrumento por excelência da autonomia privada, correspondendo justamente à modalidade de ato lícito que permite ao particular escolher os efeitos a serem produzidos, os quais serão tão somente reconhecidos e tutelados pelo ordenamento na medida em que se mostrem compatíveis, estrutural e funcionalmente, com os limites da legalidade”. [1]

Destarte, o artigo 190 do Código de Processo Civil consolidou a aplicação da teoria dos negócios jurídicos processuais atípicos, o que proporcionou uma maior flexibilidade ao procedimento garantindo efetiva tutela do direito material em questão.

A lei atribuiu às partes o direito de adaptar as formas do processo, resultando em um ganho procedimental em termos de efetividade e reduzindo incerteza sobre o resultado e risco aos litigantes.

Quanto ao objeto que pode ser tratado nos negócios jurídicos atípicos o eminente processualista Fredie Didier Jr nos traz alguns exemplos: acordo de instância única, ampliação ou redução de prazos, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para limitar número de testemunhas, licitude das provas, entre outros. [2]

O negócio processual atípico amparado no art. 190, em regra geral, produzem seus efeitos imediatamente (art. 200 CPC), a menos que as partes, expressamente, tenham ajustado a eficácia do negócio, condicionando-a a algum termo ou condição.

O professor Fredie Didier Jr elucida a questão de uma forma muito didática, dizendo “A regra é a seguinte: não possuindo defeito, o juiz não pode recusar aplicação ao negócio processual.”

Nesse viés, os negócios jurídicos atípicos não podem ser vedados pelo juízo se forem válidos e respeitarem os direitos fundamentais e o devido processo legal.

A propósito, Fredie Didier Jr. elenca três requisitos essenciais para a validade dos negócios jurídicos processuais: “a) ser celebrados por pessoas capazes; b) possuir objeto lícito; c) observar forma prevista ou não proibida por lei (arts. 104, 166 e 167, Código Civil)”. [3]

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre alguns casos de vedações de negócios jurídicos, assim, vale a pena abordarmos uma delas para esclarecer alguns pontos sobre o tema que se encontram pacificados pelo tribunal superior.

No Recurso Especial n. 1.810.444/SP de Relatoria do eminente Ministro Relator Luis Felipe Salomão, consolidaram que as partes não podem versar sobre os poderes e deveres do magistrado e questões de ordem pública.

Essa posição fundamenta-se na premissa de que as funções desempenhadas pelo juiz no processo são intrínsecas ao exercício da jurisdição e à garantia do devido processo legal.

Os doutrinadores Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart já haviam lecionado sobre o respectivo tema, no mesmo sentido:

“É claro que não é possível às partes, no entanto, acordar a respeito do exercício dos poderes do juiz – seria claramente afrontoso à cláusula que prevê o direito ao processo justo, devidamente conduzido pelo juiz, emprestar validade a acordos sobre o exercício de poderes ligados ao exercício da própria soberania estatal no processo.” [4]

Em conclusão, os negócios jurídicos processuais são regidos pelo princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC; art. 422, Código Civil), e buscam principalmente aumentar a efetividade e diminuir os riscos aos litigantes. Dessa forma, as partes podem transgredirem mais amplamente sobre os atos processuais, desde que respeitem os direitos fundamentais e a licitude do acordo.


[1] (SOUZA, Eduardo Nunes de. Teoria geral das invalidades do negócio jurídico: nulidade e anulabilidade no direito civil contemporâneo. São Paulo: Almedina, 2017, pp. 95-96).

[2] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381

[3] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 384

[4] (Novo curso de processo civil tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. II. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 117).

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

Abrir conversa
Clique para chamar o A&C no WhatsApp
Olá, somos o A&C 👋 Como podemos lhe ajudar?