Não razoável, à luz princípios processuais constitucionais, que se eternizem processos junto as Cortes de Contas
A Constituição atribui aos Tribunais de Contas a função de julgar os gastos dos administradores públicos, com a possibilidade de aplicação de sanções quando verificadas irregularidades na gestão da coisa pública.
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná fixou, em 2019, entendimento no sentido de ser possível reconhecer a prescrição da pretensão punitiva da Corte. Contudo, no entender do TCE naquele ano, a prescrição sancionatória, interrompida com o despacho que ordenar a citação, reiniciaria somente a partir do trânsito em julgado do processo, não tendo aplicabilidade, antes disso, as hipóteses de suspensão e de prescrição intercorrente. Também não se reconhecia prescrição do poder estatal de impor ressarcimento de danos. Trata-se do Prejulgado 26 daquela Corte.
Quando a decisão original no processo de prejulgado foi tomada, em 2019, o Recurso Extraordinário nº 636.886/STF, que trata da pretensão de ressarcimento no âmbito de Tribunais de Contas, estava pendente de discussão no Supremo Tribunal Federal.
Prosseguiu, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral vindo a julgar o Tema 899, fixando a tese de “prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas” (RE 636886, Relator Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, Repercussão Geral – Mérito. Publicado em 24/06/2020).
Na ementa de julgamento do referido Recurso Extraordinário já constava que “a pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal)”.
É certo que às pretensões punitivas do Tribunal de Contas aplicam-se as normas da Lei nº 9.873/1999, que “estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências”.
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) então, após o julgamento do STF, reviu em parte seu Prejulgado, isso no ano de 2023. Em decisão proferida em processo de revisão do Prejulgado nº 26, a nova compreensão consolidada passou a ser a de que é possível se reconhecer também a prescrição em relação a eventual condenação a ressarcimento de danos, o que antes não era admitido pelo TCE.
Contudo, o TCE manteve seu entendimento tradicional no que tange à prescrição intercorrente, inadmitindo-a, o que nos parece um equívoco.
Vale lembrar que o Tribunal de Contas da União (TCU) editou Resolução TCU n° 344/2022 adotando a incidência da prescrição punitiva e ressarcitória quinquenal, além da prescrição intercorrente trienal. É bem verdade que alguns dos dispositivos da referida Resolução ampliam demasiadamente a incidência do prazo prescricional, mas o normativo do TCU é relevante parâmetro de interpretação da incidência do poder punitivo estatal das Cortes de Contas.
Não se mostra razoável, à luz princípios processuais constitucionais como o da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, CF) e o da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI, CF), que se eternizem processos junto as Cortes de Contas, sem incidência do instituto da prescrição intercorrente.
Relevante julgado do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) já havia sido proferido antes mesmo da revisão do Prejulgado 26. Trata-se do acórdão na Apelação Cível 0002087-73.2018.8.16.0034, de Relatoria do Des. Ramon Nogueira, em que a 5ª Câmara, em 2021, por maioria, entendeu caracterizada prescrição intercorrente em processo de contas julgado pelo TCE-PR. Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que para a ocorrência da prescrição intercorrente é necessária a existência de um processo ou procedimento com citação válida e, a partir daí, o transcurso do prazo de três anos sem movimentação que tenha por objetivo a finalização do processo/procedimento, bem como que não tenha ocorrido ato inequívoco para a apuração do fato e o seu julgamento.
Apesar da questão não se mostrar perto de uma pacificação, trata-se de relevante julgado que deve servir de inspiração ao debate.
Sobre o/a autor/a
Fernanda Conto Guimarães e Luiz Gustavo de Andrade
Fernanda Conto Guimarães é advogada atuante em Direito Administrativo e Constitucional. Pós-Graduanda em Direito Administrativo pela Escola Paranaense de Direito. Pós-Graduada em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Damásio. Graduada em Direito pelo Instituto Superior do Litoral do Paraná. Possui experiência no direito público, tendo atuado na Procuradoria-Geral do Município de Paranaguá e na Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal de Paranaguá. Na área do direito registral, atuou como escrevente no Serviço de Registro de Imóveis de Pontal do Paraná.
Luiz Gustavo de Andrade é advogado atuante em Direito Público, Administrativo, Constitucional e Eleitoral. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Diretor da Escola Paranaense de Direito (EPADI). Professor da Pós-Graduação da Escola Paranaense de Direito (EPADI). Professor da Graduação da Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA). Membro Consultor da Comissão de Direito Eleitoral (OAB-PR). Membro Relator da Comissão de Gestão e Controle da Administração Pública (OAB-PR). Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (ABRADEP). Membro do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE). Editor Executivo da Revista Paraná Eleitoral (TRE-PR). Membro Fundador do Instituto Mais Cidadania. Membro da Associação Brasileira da Advocacia Municipalista (ABAM). Membro da Conferencia Americana de Organismos Electorales Subnacionales por la Transparencia Electoral (CAOESTE).