Em alguns casos, a lei autoriza que os bens dos sócios ou administradores respondam pelas dívidas da sociedade
No Brasil, assim como em todo o mundo, o número de empresas é expressivo. De pequenos negócios familiares a grandes indústrias, nosso país conta com milhões de empreendimentos responsáveis por gerar empregos e estimular a economia.
Essas empresas, quando registradas formalmente seguindo aquilo que é disposto pela legislação de cada caso, adquirem a chamada personalidade jurídica.
Isso significa que a empresa adquire uma identidade própria, de modo independente da pessoa física de seus sócios. Agora, quem contrata, contrata a empresa, quem possui a obrigação de entregar determinado serviço ou bem, é a empresa. O sócio, funcionário, gerente ou administrador, pode representá-la, mas é a empresa quem passa a ser responsável por suas obrigações e dívidas.
No entanto, existem situações em que essa separação é desconsiderada. Em alguns casos, a lei autoriza que os bens dos sócios ou administradores respondam pelas dívidas da sociedade. É como se ocorresse a retirada do véu que a protege, com o intuito de atingir quem está por detrás do negócio.
Esse fenômeno é conhecido como desconsideração da personalidade jurídica.
Mas, afinal, quando isso pode acontecer? E como o empresário pode evitar a desconsideração da personalidade jurídica?
Nos termos daquilo que dispõe o Código Civil brasileiro, a desconsideração pode ocorrer quando observado o abuso dessa personalidade jurídica. Ou seja, quando aquilo que foi pensado para o bem e incentivo dos negócios, acabar sendo utilizado de forma exagerada e contrária ao seu fim. Nesses casos, pode-se falar em responsabilização pessoal dos sócios pelas dividas da empresa.
Na prática, isso pode ocorrer quando verificado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
O desvio de finalidade é visto quando o sócio utiliza da sociedade e da sua personalidade jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Isto é, usa da empresa para praticar atos ilegais ou que beneficia ele próprio, em detrimento dos objetivos e interesses da pessoa jurídica.
Outra possibilidade é quando ocorre a confusão patrimonial. Inexistindo uma separação clara entre os bens e contas da empresa e do sócio, a desconsideração da personalidade jurídica também pode ser autorizada.
A legislação menciona aquilo que pode ser considerado como confusão patrimonial: I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Também não podemos deixar de mencionar que a depender da origem da dívida e da relação que a originou, a desconsideração pode ser reconhecida mais facilmente. Isto é visto em casos onde são tutelados interesses considerados mais vulneráveis, com legislações mais especiais, como é o caso do direito do consumidor e do direito ambiental.
No entanto, por agora é suficiente saber a hipótese geral da desconsideração, podendo essas exceções ser objeto de outro artigo.
Com isso, destacam-se cinco práticas que ajudam a evitar o risco da desconsideração, além de auxiliar na boa saúde de todo o negócio, independente do seu tamanho. São elas: A) Separar as finanças da empresa e as pessoais. B) Manter uma boa organização contábil. C) Formalizar as decisões e movimentações da empresa. D) Evitar usar a empresa para finalidades pessoais. E) Estabelecer e respeitar processos internos, ainda que a empresa seja pequena.
A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, mas que ainda assim os sócios devem estar atentos. Embora, a personalidade jurídica proteja os bens pessoais dos sócios de uma sociedade, ela jamais pode ser entendida como uma autorização para prejudicar terceiros. Com isso, conclui-se que manter uma gestão organizada e transparente, separando os interesses pessoais e empresariais, além de ajudar o empresário a ter uma boa saúde de seu negócio e garantir a credibilidade da empresa no mercado, evitam-se maiores frustrações futuras causadas pela responsabilização pessoal por dívidas empresariais.
Sobre o/a autor/a
José Eduardo Xavier
Advogado Empresarial, pós-graduando em Processo Civil pela Escola Paranaense de Direito.